quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Distribuição desproporcional de lucros

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Por Orlando C. Sgarbi Cardoso
Com o propósito de cobrar Imposto de Renda sobre a parcela que excede a distribuição proporcional de lucros, o Fisco Federal tem autuado sócio beneficiário de distribuição de lucros desproporcional (à sua participação societária), realizada por sociedade empresária (simples ou limitada) cujo contrato não contém cláusula autorizadora.
Isso porque, de acordo com a Solução de Consulta nº 46, de 2010, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a isenção prevista pela legislação de regência (art. 10, Lei nº 9.249, de 1995) alcança apenas os lucros desproporcionalmente distribuídos quando há estipulação contratual nesse sentido.
Essa exigência, contudo, carece de respaldo legal. Como é de preceito, a estipulação de cláusula determinadora de distribuição desproporcional de lucros a sócio, no âmbito dos contratos das sociedades simples, é prática permitida pelo Código Civil, eis que, a teor de seu art. 1.007, apenas na hipótese de falta da aludida cláusula é que a participação do sócio deverá ocorrer na medida da respectiva quota.
A lei não condicionou a isenção à previsão contratual, no que concerne à distribuição desproporcional de lucros
Já no capítulo que versa sobre sociedade limitada, conquanto seja lacunoso no que diz respeito a essa questão, o Código prescreve, conforme o art. 1.053, que, diante de omissões, as sociedades de responsabilidade limitada regem-se pelas normas das sociedades simples. Daí a conclusão de que é legalmente autorizada, também para essa modalidade de sociedade empresária, a distribuição desproporcional de lucros.
Portanto, a realização de distribuição desproporcional de lucros a sócio por sociedade empresária cujo contrato social não prevê autorização expressa, de fato, configura ofensa à legislação societária. Essa falta, no entanto, não implica igualmente em cominação na órbita tributária.
É que o art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995, estabeleceu, peremptoriamente, que, a partir de janeiro de 1996, os lucros pagos ou creditados por pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do lucro real, presumido ou arbitrado, não se sujeitarão à incidência do Imposto de Renda na fonte, nem participarão da composição da base de cálculo do Imposto de Renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país ou no exterior.
Com isso, restou instituída a isenção do Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros realizada a sócios, rompendo-se o tradicional binômio da incidência tributária – vigente até janeiro 1996 – sobre a fonte pagadora da distribuição e sobre o beneficiário desta.
Significa dizer que, a partir de janeiro de 1996, dada a opção legislativa, a incidência tributária do Imposto de Renda passou a se dar de forma exclusiva sobre a pessoa jurídica auferidora de resultados, e não mais sobre a figura do beneficiário da distribuição.
Aliás, foi com base no fundamento acima esposado que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em um dos poucos julgados sobre o tema (acórdão nº 2102-01.496), afastando suposta infração decorrente de distribuição desproporcional de lucros realizada por sociedade empresária, determinou o cancelamento do correspondente lançamento fiscal de Imposto de Renda.
Com efeito, ao afastar o imposto na distribuição de lucros realizada por sociedades empresárias, o dispositivo legal em referência (art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995) instituiu verdadeira norma isentiva geral e irrestrita.
Noutras palavras, a isenção não foi instituída para beneficiar apenas as sociedades empresárias cujos contratos autorizem expressamente a distribuição desproporcional de lucros. Abrange sim, nos termos do referido dispositivo legal, toda distribuição de lucros feita por qualquer pessoa jurídica a partir de janeiro de 1996, ainda que desproporcionalmente à participação societária e sem previsão expressa no contrato social.
Não fosse isso – ou seja, caso a “mens legislatoris” intentasse a exclusão de alguma situação da norma isentiva (a exemplo da distribuição desproporcional de lucros não prevista contratualmente), seria de rigor que o legislador, mediante o acréscimo de parágrafo específico, conforme determinam as normas de consolidação de leis (art. 11, III, ‘c’, Lei Complementar nº 95, de 1998), expressamente a previsse, o que não o fez.
Assim, autuações fiscais decorrentes da situação em comento, afora implicar clara alteração no alcance de formas de direito privado para se alcançar a exação pretendida, configura também nítida tributação por analogia, eis que a lei não condicionou a isenção a qualquer previsão contratual, no que no concerne à distribuição desproporcional de lucros, circunstâncias vedadas pelo ordenamento tributário pátrio (arts. 108, §1º, e 110, ambos do CTN, respectivamente).
Em última análise, exigência fiscal do jaez em questão enseja violação frontal ao primado da estrita legalidade em matéria tributária (art. 150, I, da CF), sendo de rigor jurídico o incontinenti cancelamento.
Orlando C. Sgarbi Cardoso é advogado tributarista em São Paulo

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